Raio que o parta

Arquitetura

Movimento paraense oriundo do modernismo está sendo mapeado por rede colaborativa; saiba mais

Vivian Faria, especial para HAUS
13/11/2023 21:08
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Quem passeia pelas ruas de Belém, no Pará, comumente se depara com casas cujas fachadas são decoradas com cacos de azulejos, em geral coloridos, que formam raios, setas e bumerangues. São exemplares do movimento “Raio que o parta”, uma apropriação popular do modernismo brasileiro, que as arquitetas e urbanistas Elis Almeida, Elisa Malcher e Gabrielle Arnour buscam mapear em ações on e off-line para tentar preservar parte do patrimônio arquitetônico da cidade.
“Existe um apagamento bem grande desse movimento em Belém, porque não é reconhecido como um patrimônio a ser tombado”, diz Elisa sobre o que motivou a iniciativa do trio, batizada de Rede Raio que o parta e conhecida pela publicação de fotos das casas nesse estilo em perfil no Instagram. Aliás, conforme elas, é o desconhecimento sobre a proposta que prevalece, o que leva à desvalorização e à não preservação. “A rede nasce com o intuito de trazer e difundir informações”, diz a profissional.
O que as arquitetas desejam que quem vive na capital paraense – e também o mundo – saiba é que o movimento surgiu e se popularizou entre as décadas de 1940 e 1960 como uma tentativa das classes populares de se integrarem à onda modernista que tomou o país.
“O modernismo chegou ao estado do Pará com características um pouco diferentes. O uso da platibanda, por exemplo, era bem recorrente”, conta Gabrielle. Por outro lado, os murais de azulejo que caracterizavam a arquitetura moderna em outras partes do país também se popularizaram na região, graças a arquitetos-engenheiros como Ruy Meira e Alcyr Meira.
Para decorar suas residências, classes populares de Belém utilizavam azulejos que se quebravam na estrada.
Para decorar suas residências, classes populares de Belém utilizavam azulejos que se quebravam na estrada.
Sem a possibilidade de contratar profissionais para projetar suas casas ou criar murais para elas, as camadas mais pobres da população tomaram para si essas funções, integrando as platibandas a suas residências e encontrando uma alternativa para adorná-las. “As camadas mais populares queriam se modernizar e viram na compra de azulejos avariados uma possibilidade de fazer seus próprios painéis utilizando formas geométricas e o formato de raio”, diz Gabrielle.
“Muitos azulejos se quebravam no transporte pela [rodovia] Belém-Brasília”, conta Elis. Era desses acidentes de percurso que vinha a matéria-prima para os murais. Já o nome Raio que o parta teria sido dado pelos arquitetos e engenheiros da época: conta-se que um deles, ao se deparar com uma casa com platibanda decorada com mosaico de azulejos em forma de raio, teria dito, em tom jocoso, que a construção tinha uma arquitetura no estilo “raio que o parta”
“Ele usou a expressão para tentar menosprezar o que seria esse movimento. Então, de certo modo, percebemos um afastamento dos arquitetos e engenheiros da época – e isso mostra o quanto esse resgate é necessário. [O Raio que o parta] não é um estilo arquitetônico em si, e sim uma apropriação desse estilo por uma camada mais popular. E nós vemos nisso como Belém se reinventa”, avalia Elisa.

Rede

A iniciativa liderada por Elis, Elisa e Gabrielle começou a ganhar forma em 2020, quando as três fizeram a primeira ação de mapeamento de casas no estilo Raio que o parta em uma região de Belém. Além de fotografar as edificações, as arquitetas aproveitaram para conversar com os moradores das casas e descobriram que muitos são parentes dos responsáveis por erguer as residências. “As histórias são bem familiares”, diz Elisa.
Raios, setas, triângulos e bumerangues são formas encontradas nas casas que seguem o estilo.
Raios, setas, triângulos e bumerangues são formas encontradas nas casas que seguem o estilo.
A partir disso – e à medida que a pandemia permitiu –, elas ampliaram o mapeamento e começaram a participar de eventos como o Circular, um circuito cultural de revalorização da área histórica da capital paraense, inclusive expondo as fotos das residências mapeadas. Em setembro de 2022, criaram um perfil no Instagram para divulgar as construções Raio que o parta mapeadas e abrir um canal de conexão com ainda mais pessoas, formando uma rede colaborativa.
“O Instagram é uma ferramenta muito potente. Muitos moradores nos encontraram pelo perfil e recebemos fotos todos os dias”, avalia Elis. Isso permite que o conhecimento sobre o movimento se dissemine e que os moradores de Belém o reconheçam como parte de seu patrimônio. “Mas a ideia também é nos conectarmos com artistas que usam a estética Raio que o parta para que ela se expanda para além da arquitetura, para que as pessoas a reconheçam a partir de outras expressões artísticas”, conta.
Além disso, as especialistas pretendem sintetizar as informações levantadas até o momento para ampliar e fortalecer ainda mais a rede e o trabalho desenvolvido por ela para tentar conscientizar a classe política sobre a necessidade de políticas públicas de preservação não só do Raio que o parta, mas também do patrimônio material da cidade de forma mais ampla.
Apesar de ter contribuído para criação de uma identidade, movimento é pouco conhecido e valorizado.
Apesar de ter contribuído para criação de uma identidade, movimento é pouco conhecido e valorizado.

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